Dia mundial das crianças – O que falta fazer?
Hoje celebra-se em Portugal, e noutros países, o dia das crianças. Este dia, pretende assinalar e celebrar a Declaração dos direitos das crianças, proclamada pela ONU a 20 de Novembro de 1959.
Na verdade, faltam cumprir, um pouco por todo o mundo, muitos dos direitos que ali se consideram inalienáveis. Há crianças em situação de guerra, de conflito armado, de fome, de negligência, de alienação parental entre tantas outras agressões pelas quais nenhuma criança devia passar. Claro que aquilo que aqui descrevo retrata situações limite, de risco de vida ou de sérias ameaças à saúde mental, inflingidas por situações ou por pessoas adultas que deveriam proteger as crianças.
Mas não falo apenas disso. Há mais, muito mais, que podemos e devemos fazer para proteger e educar uma criança.
Na semana passada, assistimos a violentas imagens de uma criança/adolescente, de doze anos a ser brutalmente atropelado, quando tentava fugir da agressão e da humilhação que lhe era inflingida. Pelos seus pares. Sim, é verdade que o bullying está vivo e de boa saúde e não, não é uma moda. Não, não são brincadeiras parvas e inconsequentes. É violência, manifestada das mais variadas formas e, garanto-vos, por experiência própria: deixa marcas para toda a vida. Seca-nos por dentro, queima-nos a fé, a esperança e o sorriso. Quebra-nos nas nossas mais íntimas emoções e faz-nos duvidar – às vezes para sempre – de nós própri@s.
Depois das imagens terríveis a que assistimos, no Seixal, ouvimos a mãe de uma das crianças agressoras (a que, nas imagens, tomava a iniciativa da agressão), numa entrevista a um canal de televisão a dizer coisas como: “foi uma brincadeira que acabou mal”, “parem de denegrir a imagem da minha filha”, “ela é muito boa menina”, “falem com quem quiserem, até com a diretora de turma que dirá que ela é muito boa aluna”, “ela não tem culpa de ser grande”, “o menino é chatinho, é muito pica miolo”, entre outras questões. Não pretendo, de forma alguma, fazer juízos de valor sobre esta mãe, esta criança/adolescente ou sobre esta família.
É inegável o efeito de grupo, é evidente que as crianças não se comportam sempre da mesma forma e que na escola ou em ambiente social com os pares, fazem coisas muito diferentes daquelas que fazem à frente das famílias, é evidente que ninguém quer – e não pode acontecer – que esta menina seja julgada e linchada em praça pública. Primeiro porque também é, ela própria, uma criança. E depois porque alguém que é tão permeável ao efeito de grupo e que agride desta forma precisa de ajuda e orientação porque também estará, provavelmente, em grande sofrimento. E nada disto é sobre esta menina.
Mas também é inegável que qualquer tentativa de justificação, por parte d@s adult@s, de uma situação que podia ter levado à morte de um menino de doze anos, é a desvalorização do profundo sofrimento em que aquele miúdo estava e o branqueamento de uma agressão brutal. O bullying não é uma brincadeira. A violência não é uma brincadeira. A agressão (seja ela qual for), não é uma brincadeira. Ponto. É violência, é bullying, é agressão. E não pode ser desvalorizada, de forma alguma.
Aqui chegados – e esta é a reflexão que pretendo fazer – temos que parar e pensar o que nós, adultos, cuidadores, pais e mães estamos a fazer e podemos fazer para evitar que isto aconteça e erradicar a violência nestas crianças que um dia serão adult@s.
Os comportamentos não se herdam. Mas adquirem-se. E adquirem-se pelo exemplo, para o bem e para o mal.
Não me passa pela cabeça que haja cuidadores (salvo raras exceções, espero eu), que incentivem @s filh@s a serem agressor@s. Não acredito que, de forma geral, alguém incite um@ filh@ à violência gratuita. Mas como diz a “Mafaldinha”, ensinar é dizer. Educar é dar o exemplo. E é aqui que podemos e devemos fazer a diferença.
Pensemos, sempre: A que é que a criança assiste quando eu me irrito no trânsito? Como é que a criança me vê a tratar as outras pessoas? Como me refiro às pessoas que são diferentes de mim (na orientação sexual, no género, na etnia, etc)? A que assiste a criança em casa? Que tipo de agressões presenciou? Como se tratam as pessoas, na família em que está inserida? Que tipo de vocabulário é usado à frente da criança? As redes sociais, as caixas de comentários das notícias estão pejadas de ódio: racial, homofóbico, machista, entre tantos, tantos outros temas. Muitas destas pessoas, provavelmente têm filhos. E se destilam este ódio na internet então fica, legitimamente, a pergunta: o que passam às crianças que estão a educar?
A cada momento, em todos os momentos, cada ação nossa é um exemplo, um ensinamento para as nossas crianças. Podemos fazer tudo isto, com cuidado e respeito e, ainda assim, sermos surpreendidos e confrontados com comportamentos violentos? Podemos, sim. Mas a probabilidade é substancialmente menor. E não podemos, de forma alguma, depositar na vítima da agressão nenhum tipo de responsabilidade. Há formas de nos afastarmos, há maneira de não conviver. O menino é chato? Então vamos encontrar formas de criar um afastamento, de resolver esse problema. Mas nunca, nunca, pela via da violência.
Claro que é difícil, especialmente na adolescência, entrar no mundo del@s. Mas não podemos baixar a guarda e – uma vez mais – a comunicação é fundamental. E para isso é preciso tempo, é preciso dedicação, é preciso estar alerta. E aqui, é também importante que a articulação com a escola seja muito próxima, muito estreita. Já aqui comentei que temos essa sorte, no caso do Duda. Se a professora o sente mais ansioso ou mais agressivo, liga de imediato. Se o sentimos triste ou frustrado, ligamos nós. E isto tem que acontecer. Diariamente. Só assim construiremos uma sociedade mais tolerante, mais aberta, mais inclusiva.
Sim, tod@s nós podemos ajudar a que a declaração universal dos direitos das crianças seja cumprida. Todos os dias. Em todos os momentos.
Façamos mais. E melhor. Por el@s, por nós, pelo mundo. Feliz dia das crianças.
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