O Estudo da candidatura e a queda dos mitos – Episódio 3
Chegou, então, o momento em que alguém nos vai perguntar coisas. E na nossa cabeça pairam as questões que ouvimos falar sobre a adoção. Terei condições financeiras? Será que vão considerar que ganho o suficiente? O quarto será o indicado? Claro que passámos por estas questões, mas o processo está longe de ser assente nestes pontos.
É recorrente ouvirmos alguém dizer que “eles têm todas as condições e ninguém lhes dá uma criança” ou “eles nem impuseram nenhuma restrição e mesmo assim estão à espera há anos”. Longe de mim julgar as experiências pessoais de cada um. Não estou aqui a afirmar que não existam processos onde foram cometidos erros. Com certeza que existem. Mas a regra é clara, especialmente depois da revisão da lei de adoção de 2015 e depois também a de 2018. E com toda a certeza vos digo: Não é possível que alguém que não coloca restrições nas suas pretensões, esteja anos à espera. E porquê? Porque existem crianças com necessidades específicas, por questões de deficiência, desenvolvimento, etc para quem o sistema não tem resposta. Ou seja, na prática, há, hoje, cerca de duzentas crianças que acabam por ser “inadotáveis”, porque não existe nenhuma família candidata que se disponha a lidar com as suas necessidades particulares ou a haver, foi considerado pelos serviços técnicos que a família em questão não está apta para ser resposta a determinada criança. Há uma situação em que a família candidata, teve uma proposta de uma criança um mês depois de terminar o estudo de candidatura. Era uma criança de um ano, com trissomia 21 e era a única família, na lista de espera de candidaturas, disponível para a acolher.
Todas as pretensões são legítimas e devemos ser honestos connosco e com quem faz o estudo da candidatura quanto às características e particularidades da criança que estamos disponíveis para adotar. É um projeto para a vida e a redução de probabilidade de erro é, também, da nossa responsabilidade. Na prática: eu estava a candidatar-me sozinho. Era impossível estar disponível para uma criança que me exigisse que eu deixasse de trabalhar para tomar conta dela, por total dependência. Eu não quereria estar nessa situação, mas mesmo que quisesse, seria inviável. Se eu tivesse uma criança que me exigisse deixar de trabalhar, como lhe garantiria, depois, o mais básico, sequer?
Acho mesmo muito importante desmistificar esta questão dos tempos de espera. O meu foi reduzido (em relação à média) porque, de facto, as minhas pretensões eram mais alargardas do que a média. Mas vamos a números:
“Daqueles 1919 candidatos, segundo dados consultados pelo jornal “Público”, 71% pretendiam adotar bebés com idades até aos três anos, que correspondem apenas a 20% das crianças que aguardam adoção. Em 2018, as crianças com sete anos ou mais estava em maioria (65%), mas estas foram procuradas por apenas 5% dos candidatos.” – in JN 02/Dez/2019. Podem ler a notícia, aqui. (citando o relatório da Comissão Nacional para a Adoção. O relatório anual é público e pode ser consultado no site da Segurança Social).
Posto isto, e voltando ao estudo de candidatura, o que a minha experiência me mostrou foram duas técnicas da Unidade de adoção, apadrinhamento civil e acolhimento familiar da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, profundamente comprometidas com o futura da criança que viesse a adotar, com o meu bem estar, com o bem estar desta futura família e com o “match” perfeito entre mim e esta criança que não sabíamos, nesta altura, quem era.
Falámos da minha vida, do meu passado, da minha família, da minha estrura. Fiz psicotécnicos. As entrevistas foram sempre momentos de enorme prazer, de partilha, de emoção. Se falámos de dinheiro? Sim, claro. É essencial garantir que temos como sustentar uma criança. Mas o que dizer do “tens que ter um quarto para cada criança”, ou “tens que ter muito dinheiro”? Não sei o que isso é. Era um homem, sozinho, artista, freelancer, com uma declaração de IRS perfeitamente mediana. A principal preocupação não foi essa, de todo.
Algures, nestes seis meses, fazemos a Sessão de Formação B. Esta formação serve em grande parte, exatamente para desfazer estes mitos e outros, em relação à visão “cor de rosa” da adoção. Todas as formações que fiz ajudaram-me muito e esta não foi exceção. Gestão de expetativas, perceção das particularidades de uma criança adotada, etc.
No próximo episódio conto-vos como terminaram estes seis meses e sobre a formação C.
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