E na escola, como tem sido?

E na escola, como tem sido?

6 de Abril, 2021 1 Por Pai paratodaaobra

Nunca ignorei – e acho que não devemos fazê-lo – que o facto de o Duda ter uma composição familiar própria, poderia expô-lo a fragilidades e olhares de quem possa, eventualmente, ter uma opinião vincada sobre como deve ser uma família.

A ciência é muito clara quanto ao desenvolvimento de uma criança em ambiente familiar homoafetivo e, quanto a isso, não tinha dúvidas nem medos. Mas por outro lado, as crianças não têm filtro e facilmente absorvem os preconceitos d@s adult@s e verbalizam aquilo que, quem a educa, prefere muitas vezes dizer, apenas, em voz baixa. Há inúmeras fontes de preconceito, naturalmente. Cresci a ouvir todo o tipo de insultos à minha volta. Havia piadas sobre as pessoas gordas, as pessoas que usam óculos, as pessoas que não tinham o comportamento tido como “normal”. E, por isso, sabia que o facto de ter um pai (no início) ou dois pais (como atualmente) poderia expô-lo ao preconceito, mesmo com a consciência de que a dita “familia tradicional” é uma construção social que só existe na nossa imaginação.

A minha opção foi sempre educá-lo de forma a mostrar-lhe a diversidade e a igualdade por um lado e, por outro, dar-lhe “arcabouço” emocional para a possibilidade (quase certa) de ter que lidar com confrontos sobre esse assunto.

Nada se consegue sozinho e achei sempre que este era e deveria ser um trabalho conjunto entre casa e escola e tentei, pelos sítios onde o Duda foi passando, estabelecer essa parceria com as educadoras e, agora, com a professora.

Já aqui escrevi, nem sempre (ou quase nunca) os manuais escolares ajudam, os materiais de apoio também não. Com honrosas exceções (que são cada vez mais, felizmente), o estudo da família tem sempre por base a família heteronormativa e mesmo nesses casos, aborda-se sempre a família como se não houvesse filhos de pais separados.

E no mesmo post, contei-vos que cheguei a um livro e que trabalhámos aqui em casa em conjunto com a professora do Duda. Depois de uma terrível experiência com a educadora do ano passado, este ano tem sido um prazer imenso trabalhar para a educação do Duda e, no fundo, de todas as crianças da turma.

Nem sempre a reação ao novo é sinal de preconceito. E a diferença vê-se na reação quando oferecemos ajuda. A professora do Duda tem sido absolutamente extraordinária. Se sente que ele não está bem, telefona. Se percebe que há temas para os quais não está tão à vontade, pede a nossa ajuda. Fabrica materiais adaptados à realidade do Duda e das outras crianças. Ouve, atentamente, aquilo que eu, enquanto homem gay, senti por estar deslocado e ser obrigado a “enfiar-me” nos padrões das outras pessoas e o sofrimento que isso me causou e percebe claramente a importância do que lhe digo e que nada disto é um capricho. É , sim, uma questão elementar de inclusão e equidade.

Daqui saíram diversas tomadas de consciência, várias estratégias para lidar com as (muitas) realidades familiares diferentes que tem na turma e, mais do que tudo, deu confiança ao Duda para um dia – por sua decisão – pedir à professora para contar aos colegas a sua história de vida e o seu percurso. O resultado de toda esta situação foi que as outras crianças pediram à professora para também partilharem a sua história de vida e falar, abertamente, sobre as suas famílias.

Num ano tão atípico como o que estamos a viver em que não podemos entrar na escola, não temos como conversar cara a cara e “medir o pulso” àquilo que se passa dentro dos muros da escola, tudo isto ganha uma dimensão e relevância ainda maior e, por isso, deixo aqui o meu profundo agradecimento à professora pelo seu empenho e dedicação naquilo que é, no fundo, a sua verdadeira missão: a de formar cidadãos livres de pensamento, inclusivos e tolerantes.

Nem sempre o desconhecimento tem origem no preconceito. Nem sempre o desconhecimento leva a atitudes incorretas e desrespeitosas. Temos tod@s a obrigação de formar estas crianças para serem adultos saudáveis e livres e, portanto, tod@s temos um papel, tod@s podemos fazer mais e melhor, tod@s importam no processo de desconstrução dos preconceitos.

Portanto, a resposta à pergunta que me têm feito muitas vezes e que dá título ao post. As coisas correm lindamente. O Duda é absolutamente integrado na turma e na escola, tem contato regular com os colegas fora da escola. Combina idas ao jardim com @s amiguinh@s e nós ficamos à conversa com os pais e as mães del@s enquanto as crianças se esfalfam e espalham no parque. Haja amor.